• 22 de abril de 2021
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Enquanto os políticos se preocupam com a CPI da Covid, a fome avança e mata sem piedade, por Waldir Maranhão

(*) Waldir Maranhão

Desde que o Senado Federal, cumprindo determinação do STF, criou a CPI da Covid, a pauta da política nacional voltou-se totalmente para a apuração da responsabilidade do governo no combate à pandemia do novo coronavírus.

A sociedade brasileira precisa, sem dúvida, saber quem errou na condução do processo de enfrentamento da pandemia, que deixou pelo caminho muitos efeitos colaterais que merecem a mesma atenção – ou ainda maior – por parte da classe política.

A CPI, como se sabe, servirá para investigar erros e omissões no campo da pandemia, mas principalmente funcionará como palanque político-eleitoral para muitos políticos, sejam integrantes do colegiado ou não.

A falta de coordenação e a inação do governo federal diante da crise sanitária devem ser investigadas a fundo, assim como os responsáveis por esse descaso merecem a devida punição, sempre dentro do que determina a lei, mas não se pode fechar os olhos para o rastro de miséria que a pandemia deixou em terras brasileiras.

Logo no começo, a pandemia municiou o governo federal para criar um paradoxo que contrapunha, como ainda contrapõe, preservar a saúde e manter a economia em atividade. Não é possível falar em manutenção da economia sem que a saúde esteja minimamente garantida. Em suma, não há economia sem saúde.

Perceber o óbvio pareceu difícil para os integrantes do governo, mas a realidade bateu à porta do Palácio do Planalto. Era preciso dar alguma ajuda financeira à população para que, permanecendo em casa, fosse possível conter o avanço do novo coronavírus. O que se viu ao longo de meses foi exatamente o contrário. O governo estimulou o cidadão a sair em de casa busca da própria sobrevivência, fazendo com que disparassem os números de casos e mortes por Covid-19.

Não demorou muito para que nos deparássemos com um cenário caótico que remete, sem meias palavras, ao genocídio, goste ou não o governo. Caminhando para 400 mil mortes pelo novo coronavírus, o poder público precisa adotar medidas urgentes para reverter um quadro que pode chegar a meio milhão de mortos em poucas semanas.

Enquanto dezenas de milhares de famílias choram seus mortos ou se preocupam com os graves efeitos colaterais de uma de uma doença desconhecida e traiçoeira, outros milhões de brasileiros fazem o impossível para não perder a batalha contra a fome.

Com a redução do valor nominal do auxílio emergencial de R$ 600 para 300, agora para R$ 150, o brasileiro viu desaparecer a possibilidade de ter como colocar alimento em cima da mesa. Não se trata de força de expressão, mas de constatação da dura realidade que impera no país.

Com o novo valor do auxílio emergencial (R$ 150), o Brasil terá 61 milhões de cidadãos na pobreza. Para piorar um quadro que é ruim e extremamente preocupante, mais de 19 milhões de brasileiros estarão em situação de miséria ou extrema pobreza. Os dados são de estudo realizado pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made-USP).

Para ter-se ideia do que isso representa, tomando por base o valor atual do auxílio emergencial, são consideradas pobres as pessoas que vivem com renda mensal per capita (por pessoa) inferior a R$ 469 por mês (US$ 1,90 por dia), de acordo com critério adotado pelo Banco Mundial. Por outro lado, os cidadãos considerados extremamente pobres são aqueles que vivem com menos de R$ 162 mensais. Em outras palavras, o auxílio emergencial dá para muito pouco, quase nada.

Como mencionei acima, uma das preocupações do governo federal – talvez a principal ou única – sempre foi com as questões relacionadas à economia. O Brasil trava uma guerra silenciosa contra um inimigo voraz e desconhecido, por isso falar em retomada econômica é algo fora do roteiro.

Insisto na questão da retomada econômica para mostrar que o governo nada faz para reverter a tragédia. Durante a pandemia, 8 em cada 10 famílias de classe média perderam renda. Isso significa que o poder de compra desse nicho da população despencou, o que certamente já reflete no consumo. Mesmo assim, autoridades federais agem para frear a inflação. Mesmo com a pandemia ainda a pleno vapor e o desemprego em alta, não é de hoje, a inflação segue avançando.

O Brasil é um país que depende economicamente do consumo interno. Com o cenário exposto acima não há como sonhar com um horizonte menos carrancudo.

Mas deixo a questão econômica e volto para a fome que aflige dezenas de milhões de brasileiros. Há dias, o governo e lideranças políticas no Congresso Nacional chegaram a um acordo para, recorrendo a uma “pedalada oficial”, viabiliza o Orçamento de 2021 sem mexer não recursos destinados a emendas parlamentares.

Reconheço que emendas parlamentares são importantes e necessárias para a realização de obras nas mais de 5.500 cidades brasileiras, mas é preciso abrir os olhos para o estrago que a fome vem promovendo no país.

Se o governo e os congressistas encontraram uma forma de driblar a lei para garantir os recursos das emendas parlamentares, sem romper o teto de gastos, não seria difícil encontrar uma solução para minimizar o desespero dos famintos, que, é bom ressaltar, aumentam com o passar dos dias.

A política é um jogo (no bom sentido) importante para que sejam defendidos os interesses e as necessidades da população, mas em meio a uma tragédia que só faz aumentar não se pode privilegiar interesses paroquiais.

Confesso não compreender como um homem público consegue não se sensibilizar com a devastação promovida pela miséria e pela fome. Se em um país com 210 milhões de habitantes um contingente de 19 milhões de miseráveis pouco representa em números proporcionais, no campo da humanidade uma pessoa sendo devorada pela fome é algo inadmissível.

Apenas a título de comparação, o que permitirá a cada um perceber o tamanho do problema, 19 milhões de miseráveis representam uma vez e meia a população de Portugal. Para quem é adepto dos detalhes, esse universo de miseráveis que vieram à cena no rastro da pandemia equivale a 2.405 estádios do Maracanã lotados de pessoas que sonham com um prato de comida.

Recuso-me a fechar os olhos e virar as costas para uma tragédia como a que vivemos, mas que muitos fingem não existir. Diante da omissão persistente do Estado, a sociedade civil precisa assumir cada vez mais esse desafio.

Como disse o Herbert José de Souza, o Betinho, “quem tem fome tem pressa”. É preciso agir agora, antes que seja tarde demais!

(*) Waldir Maranhão – médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados.

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